Cachos Inteiros nas fermentações e o eterno movimento cíclico dos vinhos

Cachos Inteiros nas fermentações e o eterno movimento cíclico dos vinhos

Muitas vezes, as inovações nada mais são do que o produto da redescoberta, da pesquisa e do avanço pela educação. Não tanto em relação às novas técnicas, mas no que já foi feito e muitas vezes é esquecido. Na enologia há muitos exemplos que estão na moda hoje, como a vinificação em tinajas ou ânforas de terracota, o envelhecimento em barricas de carvalho de muitos tamanhos, ou um muito particular, como a utilização dos cachos inteiros na fermentação alcoólica. Tanto em tintos como em brancos.

A fermentação com cachos inteiros ou uvas desengaçadas às quais é adicionada uma percentagem de pedúnculo não é o mesmo que a maceração carbónica, cujo conceito central é a fermentação intracelular da baga intacto.

O uso de cachos interios existe desde sempre. E mais: eu diria que era a maneira de fazer vinho até a chegada dos desengaçadores. Hoje, a sua utilização permite-nos adicionar alguns taninos do pedúnculo – idealmente maduros ou lignificados – em castas ou uvas com menos estrutura tânica, prática bastante comum no Velho Mundo na Pinot Noir e também na Syrah.

Independentemente da diminuição da cor do vinho devido à absorção de matéria corante, o uso do pedúnculo proporciona um perfil muito distinto. Pessoalmente, gosto muito de um caráter floral e às vezes também de lúpulo, ou seja, uma nuance herbácea e perfumada muito agradável.

Herança esquecida ou simples ignorância? Talvez a influência bordalesa que nos definiu durante anos nos tenha feito não considerá-la uma alternativa, pois estas variedades têm taninos fartos. Mas, desde que a Syrah chegou ao Chile em 1993, e desde que tentamos levar a Pinot Noir a sério, o uso de cachos inteiros na fermentação tem se espalhado lenta mas continuamente nas vinícolas.

Como tudo mais, se esta técnica for levada ao extremo, torna-se de certa forma um padronizador que silencia sutilezas e pode padronizar aromas, obscurecendo a origem e a fruta. Por isso, na Morandé temos calibrado seu uso apenas em certas parcelas de Pinot Noir de Casablanca, começando com uns tímidos 5% até chegar a 30%.

Daniela Salinas, enóloga do nosso Despechado Adventure, é quem mais tem explorado esta técnica, vinificando muitas vezes o seu vinho com até 50% de cacho inteiro. O mesmo que acontece com o Malbec do antigo vinhedo La Constancia em Maule.

Com a Syrah por sua vez, fermentamos tanques com 50% e 100% de pedúnculo para utilizar esse componente na mistura final. A ideia é dosar aquela textura de diferentes taninos e aquele delicioso perfume que entrega quando conseguimos ajustar perfeitamente o piso, a temperatura e a maturidade.

Gosto de conversar com os idosos, ouvir suas experiências passadas e entender por que eles fazem as coisas do jeito que fazem. Muitas vezes esse patrimônio nos permite inovar pela tradição e para que tudo retome o movimento cíclico que permeia o mundo dos vinhos.

Ricardo Baettig
Enólogo Viña Morandé

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